……… .ARTIGO ORIGINAL. ………

Rev. Ang. de Ciênc. da Saúde. 2022; 4 (1): eRACSaúde.v4i1.2023.02

e-ISSN: 2789 - 2832 / p-ISSN: 2789 - 2824  

Equipa Multidisciplinar de Profissionais de Saúde, Docentes e Investigadores Nacionais

 Fibrilhação auricular em adultos com insuficiência cardíaca num hospital terciário em Angola: Estudo retrospectivo

Atrial fibrillation among adults with heart failure in a tertiary hospital in Angola: a retrospective study

Mauer A. A. Gonçalves *1,2 , Evangelina da Rocha2, Isaura Lopes2 , Humberto Morais1,3

 

1- Centro de Estudos Avançados em Educação e Formação Médica da Universidade Agostinho Neto. Luanda, ANGOLA

2- Departamento de Fisiologia, Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto. Luanda, ANGOLA

3- Departamento de Cardiologia, Hospital Militar Principal. Luanda, ANGOLA

* - Autor correspondente. Email: mauergoncalves@gmail.com

DOI: https://doi.org/10.54283/eRACSaúde.v4i1.2023.02    

Recebido: Março 2023 / Aceite: Maio 2023 / Publicado: Setembro 2023

 

RESUMO

Introdução: A Fibrilação Auricular (FA) é a arritmia sustentada mais comum na população adulta. O objectivo desta pesquisa é determinar a frequência, etiologia, evolução, tratamento e evolução dos pacientes diagnosticados com FA internados por insuficiência cardíaca (IC) num hospital terciário em Luanda, Angola.

Métodos: Trata-se de um estudo descritivo, transversal e retrospectivo, sobre o perfil clínico de pacientes diagnosticados com FA internados por IC num hospital público terciário de Luanda, Angola. A normalidade da distribuição dos dados foi analisada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis qualitativas foram expressas em frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram expressas como média ± desvio padrão (DP) ou mediana.

Resultados: Dos 461 pacientes internados com IC, 32 (6,9%) indivíduos foram diagnosticados com FA.  A média de idade dos participantes foi de 59,56±15,9 anos e 65,6% da amostra era do sexo feminino. Os principais factores de risco foram hipertensão arterial (68,8%) e hábitos alcoólicos (46,9%). As principais causas de IC foram cardiopatia hipertensiva, 19(59,4%), cardiomiopatia dilatada, 8(25%) e valvulopatia mitral reumática, 5(15,6%). Foi prescrita previamente varfarina em 8(25%) indivíduos e aspirina em 21(65,6%), betabloqueador em 15(46,9%) indivíduos, digoxina em 14(43,8%) e amiodarona em (9,4%). As complicações mais frequentes foram: acidente vascular cerebral em 15(46,8%), ocorreram 6 óbitos (18,75%).

Conclusão: O nosso estudo mostra uma baixa frequência de fibrilhação auricular em doentes com IC em comparação com a encontrada em estudos semelhantes na África Subsaariana.

Palavras-chave: Fibrilação atrial; Insuficiência cardíaca; Factores de risco cardiovascular; Angola; África Subsariana

 

ABSTRACT

Introduction: Atrial fibrillation (AF) is the most common sustained arrhythmia in the adult population. The objective of this research is to determine the frequency, etiology, evolution, treatment, and evolution of patients diagnosed with AF admitted for heart failure (HF) in a tertiary hospital in Luanda, Angola.

Methods: This is a descriptive, cross-sectional and retrospective study on the clinical profile of patients diagnosed with AF admitted for HF in a tertiary public hospital in Luanda, Angola. The normality of data distribution was analyzed using the Kolmogorov-Smirnov test. Qualitative variables were expressed in absolute and relative frequencies. Quantitative variables were expressed as mean ± standard deviation (SD) or median.

Results: Of the 461 patients admitted with HF, 32 (6.9%) individuals were diagnosed with AF. The average age of partiticipants was 59.56±15.9 years and 65.6% of the sample was female. The main risk factors were arterial hypertension (68.8%) and alcoholic habits (46.9%). The main causes of HF were hypertensive heart disease, 19(59.4%), dilated cardiomyopathy, 8(25%) and rheumatic mitral valve disease, 5(15.6%). Previously was prescribed warfarin in 8(25%) individuals and aspirin in 21 (65.6%), beta-blockers in 15(46.9%) individuals, digoxin in 14(43.8%), and amiodarone in (9.4%). The most frequent complications were: stroke in 15(46.8%). There were 6 deaths (18.75%).

Conclusion: Our study shows a low frequency of atrial fibrillation in patients with HF compared to that found in similar studies in sub-Saharan Africa.

Keywords: Atrial fibrillation; Heart failure; Cardiovascular risk factors, Angola, Sub-Saharan Africa

 

INTRODUÇÃO

A fibrilhação auricular (FA) é a arritmia sustentada mais comum na população adulta encontrada na prática clínica, representando um importante problema de saúde pública associado ao seu elevado risco de Insuficiência cardíaca (IC) e acidente vascular cerebral (AVC).1 A sua incidência e prevalência aumentam em paralelo com o aumento das doenças cardiovasculares e pelo aumento da esperança de vida da população.2

A prevalência de FA nos países em desenvolvimento varia entre 0,03% a 1,25% na população geral.3 Na África subsariana (ASS) estima-se uma prevalência de FA na população geral inferior a 1%, e prevê-se um aumento significativo nas próximas décadas.4–6 Estima-se que cerca de 16% a 20% dos pacientes com IC na ASS são diagnosticados com FA.7–9 Nesta região, os doentes com FA são mais jovens e têm maior prevalência de doença cardíaca valvular reumática. A FA permanente é o tipo mais prevalente na ASS, possivelmente devido ao deficiente uso de estratégias de controle de ritmo, assim como elevadas taxas de mortalidade, devido em grande parte ao difícil acesso aos cuidados de saúde.4,10

Estudo de base populacional realizado no norte de Angola, mostrou uma prevalência de FA de 0,084% e de AVC de 0,4%.11 Dados do Global Burden of Disease 1990 a 2016, revelam que o AVC representa um importante factor de morbi-mortalidade e uma das principais causas de anos de vida perdidos e invalidez em Angola, afectando sobretudo indivíduos jovens em idade produtiva.12–14

A etiologia da FA inclui algumas patologias e factores de risco como a hipertensão arterial, a valvulopatia mitral reumática, a insuficiência cardíaca, a doença arterial coronária,  a apneia do sono, a doença pulmonar obstrutiva crónica, a doença renal crónica, o hipertiroidismo, a obesidade, o tabagismo e o uso excessivo de bebidas alcoólicas.15,16

A fibrilhação auricular associa-se a um aumento na mortalidade cardiovascular e é causa de agravamento da qualidade de vida e do estado funcional dos doentes e representa um importante factor de risco para o acidente vascular cerebral (AVC), e estima-se que pode ser a causa de 15% a 20% de todos os AVCs isquémicos através de um mecanismo cardioembólico.4,17 A anticoagulação oral demonstrou capacidade para prevenir significativamente o AVC isquémico em pacientes com FA, pelo que, o seu diagnóstico e tratamento adequado constituem um importante objectivo de saúde pública.18,19

Até a data não existe em Angola dados hospitalares publicados sobre o perfil clínico de doentes com FA e IC, pelo que, esta pesquisa realizou-se com o objectivo de determinar a frequência, etiologia, evolução, tratamento e desfecho de doentes diagnosticados com FA e hospitalizados por IC no Serviço de Cardiologia de um hospital terciário em Luanda, Angola.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, transversal e retrospectivo, sobre o perfil clínico dos doentes internados por insuficiência cardíaca aguda no Hospital Américo Boavida (HAB), um hospital público de nível terciário localizado na província de Luanda, tal como previamente descrito.20

A população-alvo foi constituída por todos os pacientes internados por IC no HAB de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2016 e que teve FA documentada por electrocardiograma. Com base nos dados do Sistema Informatizado do HAB (SIIGHOSP) e no livro de internamentos do serviço de cardiologia do hospital. Realizou-se uma listagem de todos os prontuários de pacientes internados por IC e registados na categoria I50 do Código Internacional de Doenças (CID-10). Posteriormente, os processos clínicos de pacientes com FA com a categoria I48 também foram revisados e seleccionados. Por fim, cada um dos processos foi verificado e avaliado. Apenas pacientes cujas informações clínicas eram compatíveis com o diagnóstico definitivo de FA foram considerados para inclusão neste sub-estudo. O banco de dados de ecocardiografia do serviço de cardiologia do HAB também foi consultado para verificar os dados da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) dos pacientes cujos processos clínicos não continham informações sobre essa variável.

As variáveis em estudo foram: características demográficas e clínicas, factores de risco cardiovascular, etiologia de insuficiência cardíaca, resposta ventricular, achados ecocardiográficos, terapêutica e complicações da FA.

Dos 461 prontuários avaliados de pacientes admitidos no serviço de cardiologia do HAB com diagnóstico definitivo de IC de acordo com as diretrizes da ESC 2021 para o diagnóstico e tratamento da insuficiência cardíaca, foram incluídos no estudo 32 pacientes com idade igual ou superior a 18 anos e cujo ECG de base revelou a presença de FA. E foram excluídos do estudo os indivíduos com processos clínicos incompletos e com ECG em falta.

Utilizou-se o score CHA2DS2-VASC para estratificar os indivíduos com FA em risco de AVC. Este índice avalia o risco de AVC atribuindo um ponto a cada uma das seguintes variáveis: insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença vascular, idade de 65-74 anos e sexo (feminino); e adiciona-se dois pontos para: idade ≥75 anos, história de acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório. Uma pontuação de 1 é classificado como um marcador de risco moderado e uma pontuação de 2 é considerada como um marcador de alto risco21.

Esta pesquisa foi aprovada pelo departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto e pela direcção do Hospital Américo Boavida, devido ao seu carácter retrospectivo não foi possível a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, contudo, foi garantido o anonimato dos participantes, seguindo todas as normas de pesquisa em seres humanos de acordo com a declaração de Helsínquia.

 

Análise estatística

A normalidade da distribuição foi analisada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis qualitativas foram expressas em frequências absolutas e percentagens. As variáveis quantitativas foram expressas como média ± desvio padrão (DP). Todas as análises estatísticas foram realizadas usando o software IBM SPSSâ (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20.

 

RESULTADOS

A tabela 1 mostra as características dos participantes no estudo. A média de idade foi de 59,56±15,9 anos [31-95 anos] e 65,6% eram do sexo feminino. Os factores de risco mais frequentes foram a HTA e os hábitos alcoólicos com 68,8% e 46,9%, respectivamente. Constatou-se que 8 indivíduos (25%) faziam previamente anticoagulação com varfarina e não se registou nenhum paciente medicado com novos anticoagulantes orais (NACOs) não antagonistas da vitamina K.  A média do CHA2DS2-VASC foi de 3,44±1. Em relação a etiologia a causa mais frequente de IC foi a cardiopatia hipertensiva, seguida da miocardiopatia dilatada e da valvulopatia mitral reumática, com 19 (59,4%), 8 (25%) e 5 (15,6%) casos, respectivamente. Registou-se 5 indivíduos (15,6%) com histórico de AVC prévio. Na altura da admissão, a FA com resposta ventricular rápida foi encontrada em 22 indivíduos (68%). Em relação aos achados ecocardiográficos verificou-se que os 32 indivíduos apresentaram dilatação das câmaras cardíacas esquerdas e a média da FEVE foi de 33,9%±10,3.

 

Tabela 1 Características demográficas e clínicas (n=32)

Variáveis

fa (%)

Idade (anos)

59,56±15,9

Sexo

 

Masculino

11 (34,4)

Feminino

21 (65,6)

Antecedentes e FRCV

 

Antecedentes de ACO

8 (25)

Histórico de IC

32 (100)

Histórico de HTA

22 (68,8)

Histórico de DM

3 (9,6)

Obesidade

6 (18,8)

Histórico de AVC

5 (15,6)

Tabagismo

4 (12,5)

Hábitos alcólicos

15 (46,9)

Etiologia

 

Cardiopatia hipertensiva

19 (59,4)

Valvulopatia reumática

5 (15,6)

Miocardiopatia dilatada

8 (25)

CHA2DS2-VASC

3,44±1,5

Resposta ventricular

 

Rápida (FC>100bpm)

22 (68,0)

Controlada (FC = 60 – 100bpm)

9 (28,1)

Lenta (FC<60bpm)

1 (3,1)

Achados Ecocardiograma

 

Dilatação da auricula esquerda

32 (100)

Diltação do ventriculo esquerdo

32 (100)

FEVE

33,9±10,3

 

FRCV - Factores de risco cardiovascular; IC - Insuficiência cardíaca;  HTA - Hipertensão arterial; DM - diabs mellitus; CHA2DS2-VASC - insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença vascular, idade de 65-74 anos e sexo (feminino); e adiciona-se dois pontos para: idade ≥75 anos, história de acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório; FC - Frequência cardíaca; bpm - batimentos por miniutos; FEVE - Fracção de ejecção do ventrículo esquerdo.

 

A Tabela 2 apresenta em detalhe os fármacos usados pelos pacientes. Os 32 pacientes estavam medicados com diuréticos de alça e 93,8% com antagonistas dos receptores da antagonista, 81,2% com inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECAS) e 9,4% com antagonistas dos receptores da aldosterona (ARA II), 46,9% com betabloqueadores, 43,8% foram medicados com digoxina, 9,4% com amiodarona e 40,6% com nitratos. Constatou-se que 21 indivíduos (65,6%) faziam previamente medicação com aspirina.

 

Tabela 2 – Distribuição dos pacientes com FA de acordo o tratamento farmacológico (n=32)

 

Variáveis

 

fa (%)

Diuréticos de alça

32 (100,0)

Diuréticos antagonistas da aldosterona

30 (93,8)

IECA

26 (81,2)

ARA II

3 (9,4)

Beta bloqueador

15 (46,9)

Amiodarona

3 (9,4)

Digoxina

14 (43,8)

Aspirina

21 (65,6)

DNI

13 (40,6)

 

IECAS - inibidores da enzima conversora da angiotensina; ARA II - antagonistas dos receptores da aldosterona; DNI - Dinitrato de Isossorbido.

 

A tabela 3 revela as complicações observadas durante o internamento, destacam-se 6 óbitos, dos quais 3 casos de  choque cardiogénico e 3 casos de edema agudo do pulmão, a taxa de mortalidade foi de 18,75%, enquanto que 18 pacientes (56,1%) não tiveram complicações.

 

Tabela 3 – Distribuição dos pacientes com FA de acordo com as complicações (n=32)

Variáveis

fa (%)

Sem complicações,

18 (56,2)

AVC Isquémico

3 (94)

AVC Hemorrágico

2 (6,2)

Tromboembolismo Pulmonar

1 (3,1)

Choque Cardiogénico

3 (9,4)

Edema Pulmonar Agudo

3 (9,4)

Insuficiência Renal Aguda

2 (6,2)

                                               

 

DISCUSSÃO

O presente estudo retrospectivo analisou a fibrilhação auricular em doentes internados por IC num hospital terciário em Angola. Neste estudo, 32 indivíduos com IC foram diagnosticados com FA, o que representa uma frequência de 6,9%. A frequência reportada neste estudo é baixa em relação aos estudos realizados em pacientes com insuficiência cardíaca em hospitais de vários países da África Subsaariana, onde a FA foi detectada em cerca de 16% a 20% dos doentes com IC.7–9

Um estudo realizado no Uganda, mostrou resultados semelhantes aos nossos, a média de idade foi 59,2±15,4 anos e a frequência de FA foi de 7,1%, mas vale ressaltar que nesse estudo apenas 45% dos indivíduos tinham IC.8 Outros estudos em países de baixa renda mostraram também resultados similares aos nossos no que concerne a frequência e idade.22–24

A ocorrência de FA necessita de melhor compreensão e esclarecimento em países de baixa e média renda. Alguns factores como o tratamento inadequado, a sub-notificação de casos e a predisposição genética poderão estar na  base para a baixa prevalência e incidência relatada na região africana.25 A baixa incidência de FA em populações africanas relatada em alguns estudos também pode ser devido à fragilidade e ao acesso precário aos serviços de saúde.10

A alta incidência e prevalência de FA nos países ocidentais,  pode ser explicado pelo aumento da expectativa de vida nessa população, o aumento na prevalência de hipertensão arterial e obesidade, a melhoria nas taxas de sobrevida após eventos cardiovasculares e a maior capacidade diagnóstica.26,27

Observou-se neste estudo uma predominância dos indivíduos do sexo feminino (65,6%), estes dados vão de encontro a alguns estudos realizados na ASS nomeadamente: África do Sul (61%), Uganda (58,2%) e Camarões (56,4%),7,8,28

A hipertensão arterial foi o factor de risco mais frequente para FA neste estudo (68,8%), outros estudos mostraram resultados semelhantes.8,24 A ingestão de bebidas alcóolicas foi o segundo factor de risco mais frequente neste estudo (46,9%). Estudos epidemiológicos comprovaram que a ingestão habitual de bebidas alcóolicas está relacionada ao remodelamento dos átrios bem como associada a prevalência de outros factores de risco para FA29.

O uso de anticoagulantes é um aspecto fundamental do tratamento da FA permanente, contudo, neste estudo verificou-se que apesar do alto risco tromboembólico, apenas 25% dos pacientes estavam previamente hipocoagulados com varfarina, sendo que maioria dos pacientes foram tratados previamente com aspirina (65,6%). Importa recordar que a aspirina raramente é a escolha certa para a prevenção de AVC associado à fibrilhação auricular30. Os NACOs, são na actualidade a terapêutica hipocoagulante de primeira linha na prevenção do AVC em doentes com FA não valvular1, apesar disso, nenhum paciente neste estudo estava medicado com NACOs. Dados semelhantes em relação ao baixo uso dos novos anticoagulantes orais foi relatado por muitos autores em paises de baixa renda.28,31,32 Isto deve-se sobretudo ao custo elevado dos novos anticoagulantes orais e a apertada vigilância necessária com os antagonistas da vitamina K. Não foi utilizada estratégia de cardioversão eléctrica em nenhum dos doentes incluído nesta pesquisa.

A insuficiência cardíaca na África Subsaariana representa cerca de 9,4–42,5% de todas as admissões médicas e 25,6–30,0% das admissões em unidades de cardiologia.33,34 Todos os pacientes apresentavam FA permanente e cardiopatia estrutural. A cardiopatia hipertensiva, a miocardiopatia dilatada e a valvulopatia mitral reumática, foram as principais etiologias de IC, dados semelhantes foram encontrados em estudo realizado no Uganda, onde a cardiopatia hipertensiva, a miocardiopatia dilatada e a doença valvular foram também as principais etiologias de IC com 45,6%, 19,3% e 16,4%, respectivamente.22 A doença cardíaca estrutural foi relatada de forma semelhante em países de baixa renda.31 Por outro lado, a FA tem-se mostrado uma complicação frequente de uma doença cardíaca estrutural. Nesta pesquisa, a cardiopatia hipertensiva foi a cardiopatia estrutural mais frequente, o que vai de acordo com as tendências da prevalência de hipertensão arterial encontrados na população angolana e na população mundial.35,36 Na ASS, algumas pesquisas mostraram uma maior prevalência de doença cardíaca valvular reumática em doentes com FA, afectando sobretudo indivíduos jovens.4,10 A maioria dos pacientes incluídos no estudo estava sob terapêutica com diuréticos de alça (100%), diuréticos antagonistas da aldosterona (93,8%) e IECAS (81,2%), e uma minoria com ARA II (9,4%). Estes resultados explicam-se pelo facto de todos ao pacientes no estudo apresentarem insuficiência cardíaca e esta ser a terapêutica de base usualmente utilizada.

Neste estudo os betabloqueadores não foram usados com frequência para tratar a insuficiência cardíaca e controlar a frequência cardíaca (46,9%). Relativamente a estratégia para controlar a frequência cardíaca, a digoxina foi usada em 43,8% e a amiodarona em 9,4%, estes dados corroboram achados de outros estudos em países de baixa renda.28,31,32

       Relativamente às complicações, o AVC prévio foi identificado em 5 indivíduos (isquémico 9,4%   e  hemorrágico, 6,2%). O AVC é uma das complicações mais frequentes em pacientes com FA. Estudo realizado no Congo revelou uma frequência elevada de AVC em doentes com FA.32 Nesta pesquisa, a taxa de mortalidade de 18,75% é considederada elevada. Estudo realizado nos Camarões revelou uma mortalidade de 9,8% em pacientes com FA37, estudos realizados em pacientes com FA em alguns países europeus revelaram taxas de mortalidade baixas (< 4%). Estes dados mostram que a FA nos pacientes estudados é mais grave e está associada a mais resultados adversos39. A IC com fracção de ejecção reduzida, associada a FA, a idade avançada, a presença de diabetes mellitus e outros factores de risco, estão na base dos óbitos em pacientes com IC e poderão justificar esses desfechos.40,41

O presente estudo contém algumas limitações. O principal aspecto decorre do facto de ser um estudo de base hospitalar em uma população selecionada de pacientes atendidos em um serviço de cardiologia e reporta apenas os doentes internados por IC e FA permanente, e não outras formas de FA, como paroxística ou intermitente, o que pode subestimar a verdadeira frequência de FA nessa população. Outra limitação do estudo é o seu carácter retroespectivo.

 

CONCLUSÃO

Este é o primeiro estudo realizado até à data sobre a frequência, etiologia, tratamento, evolução e desfecho de FA permanente em pacientes internados por IC em Angola, e os dados sugerem que a frequência de FA permanente nesta amostra é baixa em relação às encontradas em outros estudos semelhantes em países da África Subsaariana. A hipocoagulação oral foi pouco utilizada apesar do elevado risco trombo-embólico. Estudos mais amplos com amostras mais robustas e de carácter prospectivo são necessários para definir melhor o problema nessa população.

 

Proteção de pessoas e animais

   Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial actualizada em 2013.

Confidencialidade dos dados

    Os autores declaram ter seguido os protocolos relacionados com a publicação de dados.

Conflitos de interesse

    Os autores declaram não haver conflitos de interesse relacionados com a presente pesquisa.

Fontes de financiamento

Este trabalho não recebeu qualquer tipo de suporte financeiro.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kirchhof P, Benussi S, Kotecha D, Ahlsson A, Atar D, Casadei B, et al. 2016 esc guidelines for the management of atrial fibrillation developed in collaboration with eacts. Eur Heart J. 2016; 37(38). doi: https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehw210

2. Fuster V, Rydén LE, Cannom DS, Crijns HJ, Curtis AB, Ellenbogen KA, et al. Acc/aha/esc 2006 guidelines for the management of patients with atrial fibrillation: a report of the american college of cardiology/american heart association task force on practice guidelines and the european society of cardiology committee for practice . Circulation. 2006 aug; 114(7). doi: https://doi.org/10.1161/circulatio naha.106.177292

3. Nguyen TN, Hilmer SN, Cumming RG. Review of epidemiology and management of atrial fibrillation in developing countries. Int J Cardiol. 2013; 167 (6): 2412–20. doi : https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2013. 01.184

4. Chugh SS, Roth GA, Gillum RF, Mensah GA. Global burden of atrial fibrillation in developed and developing nations. Global Heart Elsevier. 2014. 9: 113–9. doi: https://doi.org/10.1016/j.gheart.2014.01. 004

5. Diker, et al. Prevalence and predictors of atrial fibrillation in rheumatic valvular heart disease. am j cardioiogyiogy. 1996;77(3):296–300. doi: https://doi.org/10.1016/s0002-9149(97)89145-x

6. Yuyun MF, Bonny A, Ng GA, Sliwa K, Kengne AP, Chin A, et al. A systematic review of the spectrum of cardiac arrhythmias in sub-saharan africa. Glob Heart. 2020 may 8; 15 (1). doi: https://doi.org/10.5334/gh.808

7. Makubi A, Hage C, Lwakatare J, Kisenge P, Makani J, Rydén L, et al. Contemporary aetiology, clinical characteristics and prognosis of adults with heart failure observed in a tertiary hospital in tanzania: the prospective tanzania heart failure (tahef) study. heart. 2014 aug 15; 100(16): 1235–41. doi: http://dx.doi.org /10.1136/heartjnl-2014-305599

8. Ogah OS, Davison BA, Sliwa K, Mayosi BM, Damasceno A, Sani MU, et al. Gender differences in clinical characteristics and outcome of acute heart failure in sub-saharan africa: results of the thesus-hf study. clin res cardiol. 2015 jun 22; 104 (6): 481–90. doi: https://doi.org/10.1007/s00392-015-0810-y

9. Familoni OB, Olunuga TO, Olufemi BW. A clinical study of pattern and factors affecting outcome in nigerian patients with advanced heart failure. Cardiovasc J Afr. 2007;18(5):308–11. doi: https://hdl.handle.net/10520/ ejc23052

10. Stambler BS, Ngunga LM. Atrial fibrillation in sub-saharan africa: epidemiology, unmet needs, and treatment options. Int J Gen Med. 2015 jul 31; 8:231–42. doi: https://doi.org/10.2147/ijgm.s84537

11. Gonçalves M, Pedro J, Silva C, Magalhães P, Brito M. Prevalência de fibrilhação auricular na província do Bengo, Angola: resultados de um estudo de base populacional. RevSALUS - Revista Científica Internacional Da Rede Académica das Ciências da Saúde da Lusofonia. 2021;  3(2). doi: https://doi.org/10.51126/revsalus.v3i2.14 6

12. Nascimento BR, Campos L, Brant C, Maria G, De Oliveira M, Bolívar MV, et al. Original article cardiovascular disease epidemiology in portuguese-speaking countries : data from the global burden of disease,

1990 to 2016. Arq Bras Cardiol. 2018; 110 (6): 500–11. doi: https://doi.org/10.5935/abc.20180098

13. García GM, Miúdo V, Da Graça Alves C, Lopes M, Vassuelela Gomes J. Caracterização dos pacientes com menos de 46 anos internados com emergência hipertensiva no hospital do prenda. Rev Port Cardiol. 2014 jan; 33(1):19–25. doi: https://doi.org/10.1016/j.repc.2013.04.017

14. De oliveira AJ, Zola , Machado Bebiano Tomás NS. Clinical and radiological profile of patients with stroke in a terciary centre on luanda, angola. Rev La Fac Med Humana. 2022 jul 9;22(3):445–51. doi: http://revistas .urp.edu.pe/index.php/rfmh/article/view/5039

15. Gami AS, Hodge DO, Herges RM, Olson EJ, Nykodym J, Kara T, et al. Obstructive sleep apnea, obesity, and the risk of incident atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol. 2007 feb 6; 49(5):565–71. doi: http://dx.doi.org/10.1 016/j.jacc.2006.08.060

16. Miller JD, Aronis KN, Chrispin J, Patil KD, Marine JE, Martin SS, et al. Obesity, exercise, obstructive sleep apnea, and modifiable atherosclerotic cardiovascular disease risk factors in atrial fibrillation. Journal of the American College of Cardiology. Elsevier USA. 2015; 66: 2899–906. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jacc.2015.10. 047

17. Mozaffarian D, Benjamin EJ, Go AS, Arnett DK, Blaha MJ, Cushman M, et al. Heart disease and stroke statistics-2016 update a report from the american heart association. Circulation. 2016; 133: 38–48. doi: https://d oi.org/10.1161/CIR.0b013e31828124ad

18. Go AS, Mozaffarian D, Roger VL, Benjamin EJ, Berry JD, Borden WB, et al. Heart disease and stroke statistics-2013 update: a report from the american heart association. circulation. 2013;127(1). doi: https://doi.org/10.1161/CIR.0b013e31828124ad

19. Hart RG, Pearce, Lesly A, Aguilar MI. Meta-analysis: antithrombotic therapy to prevent stroke in patients who have nonvalvular atrial fibrillation. Ann Intern Med. 2007;146(12):857–67. doi: https://doi.org/10.7326/000 3-4819-146-12-200706190-00007

20. Morais H, Alfredo A, Lopes L, Gonçalves MAA. Etiology , clinical features , comorbidities and mortality in patients with acute heart failure . Experience of a tertiary public hospital in Angola. 2023;2(1):1–11. doi: https://ojs.luminescience.cn/CDS

21. Lip GYH, Nieuwlaat R, Pisters R, Lane DA, Crijns HJGM, Andresen D, et al. Refining clinical risk stratification for predicting stroke and thromboembolism in atrial fibrillation using a novel risk factor-based approach: the euro heart survey on atrial fibrillation. Chest. 2010;137(2). doi: https://doi.org/10.1378/chest.09-1584

22. Kamdem F, Hamadou B, Kamdem M, Nganou CN, Dzudie A, Monkam Y, et al. Epidemiologic aspects of atrial fibrillation in a tertiary hospital in a sub-saharan africa setting. Oalib. 2017;04(02):1–8. doi: https://doi.org/10.4236/oalib.1103384

23. Mbaye A, Pessiniba S, Bodian ML, et al. Frequency, etiologic factors, evolution, and treatment in a cardiology service in dakar. Pan Afr Med J. 2010;6,16.

24.  Longo MB, Milamba KY. Epidemiologic and electrocardiographic aspects of atrial fibrillation in adults in congo-zaire. l’information Cardiol. 1993; 17, 227–23.

25. Diop, et al. Fibrillation atriale dans trois centres cardiologiques de référence de dakar: données sénégalaises de l’enquête du registre africa. Pan African Med Journal. 2022; 43(112). doi: https://doi.org/10.116 04%2Fpamj.2022.43.112.31397

26. Jacobs MS, Van Hulst M, Adeoye AM, Tieleman RG, Postma MJ, Owolabi MO. Atrial fibrillation in africa—an under-reported and unrecognized risk factor for stroke: a systematic review. Glob Heart. 2019;14(3):269–79. doi: https://doi.org/10.1016/j.gheart.2019.04.003

27. Feigin VL, Forouzanfar MH, Krishnamurthi R, Mensah GA, Connor M, Bennett Da, et al. Global and regional burden of stroke during 1990–2010: findings from the global burden of disease study 2010. Lancet. 2014 jan;383(9913):245–55. doi: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(13)61953-4

28. O’donnell MJ, Chin SL, Rangarajan S, Xavier D, Liu L, Zhang H, et al. Global and regional effects of potentially modifiable risk factors associated with acute stroke in 32 countries (interstroke): a case-control study. lancet. 2016 aug;388(10046):761–75. doi: https://doi.org/10.1016/s0140-6736(16)30506-2

29. Sliwa K, Carrington MJ, Klug E, Opie L, Lee G, Ball J, et al. Predisposing factors and incidence of newly diagnosed atrial fibrillation in an urban african community: insights from the heart of soweto study. Heart. 2010 dec;96(23):1878–82. doi: https://doi.org/10.1136/hrt.2010.206938

30. Ntep-gweth M, Zimmermann M, Meiltz A, Kingue S, Ndobo P, Urban P, et al. Atrial fibrillation in africa: clinical characteristics, prognosis, and adherence to guidelines in cameroon. Europace. 2010 apr;12(4):482–7. doi: https://doi.org/10.1093/europace/euq006

31. Csengeri D, Sprünker N-A, Di Castelnuovo A, Niiranen T, Vishram-nielsen JK, Costanzo S, et al. Alcohol

consumption, cardiac biomarkers, and risk of atrial fibrillation and adverse outcomes. Eur Heart J. 2021 mar 21;42(12):1170–7. doi: https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaa953

32. Sabir IN, Matthews GD, Huang CL. Antithrombotic therapy in atrial fibrillation: aspirin is rarely the right choice. Postgrad Med J. 2013 jun;89(1052):346–51. doi: https://doi.org/10.1136/postgradmedj-2012-131386

33. Coulibaly I, Anzouan-kacou JB, Konin C, et al. Epidemiology and associated cardiopathy in the Cardiology Institute of Abidjan. Cardiovasc J Afr. 2010; 2:4–12.

34. Mbolla BF, et al. Atrial fibrillation: about of 131 congolese cases. Med D’afrique Noire. 2006; 53: 73–78.

35. Agbor VN, Essouma M, Ntusi NAB, Nyaga UF, Bigna JJ, Noubiap JJ. Heart failure in sub-saharan africa: a contemporaneous systematic review and meta-analysis. Int J Cardiol. 2018 apr; 257:207–15. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2017.12.048

36. Ogah OS, Adebiyi A, Sliwa K. Heart failure in sub-saharan africa. in: topics in heart failure management. 2019. doi: https://doi.org/10.5772/intechopen.82416

37. Victória Pereira S, Neto M, Feijão A, Lutucuta E, Mbala C, Muela H, et al. May measurement month 2019: an analysis of blood pressure screening results from angola. Eur Hear J Suppl. 2021;23 (supplement_b):b9–11. doi: https://doi.org/10.1093/eurheartj/suab038

38. Zhou B, Carrillo-larco RM, Danaei G, Riley Lm, Paciorek Cj, Stevens Ga, et al. Worldwide trends in hypertension prevalence and progress in treatment and control from 1990 to 2019: a pooled analysis of 1201 population-representative studies with 104 million participants. Lancet. 2021;6736(21). doi: https://doi.org/10 .1016/S0140-6736(21)01330-1

39. Lugero C, Kibirige D, Kayima J, Mondo Ck, Freers j. Atrial fibrillation among the black population in a ugandan tertiary hospital. Int J Gen Med. 2016 jun 8;9:191–8. doi: https://doi.org/10.2147/ijgm.s100637

40. Meiltz A, Zimmermann M, Urban P, Bloch A. Atrial fibrillation management by practice cardiologists: a prospective survey on the adherence to guidelines in the real world. europace. 2008 apr 7;10(6):674–80. doi: https://doi.org/10.1093/europace/eun086

41. Henkel DM, Redfield MM, Weston SA, Gerber Y, Roger VL. Death in heart failure. Circ Hear Fail. 2008 Jul;1(2):91–7. doi: https://doi.org/10.1161/CIRCHEARTFAILURE.107.743146

 

 

RACSAúde. Angolan Journal of Health Sciences. www.racsaude.com