Factores associados à insatisfação dos médicos dos hospitais de nível terciário em Luanda, Angola. Rev. Ang. de Ciênc. daSaúde. 2021 Jan – Jul; 2 (1):9-18
mesmo com a carência de recursos materiais, o que pode levar a situações de stress, frustração e àinsatisfação profissional.No nosso estudo, notamos uma elevada proporção de médicos que relataram insatisfação com as horas detrabalho, o que, por si só, pode afectar a produtividade das instituições avaliadas. Alguns estudos têm reveladoque, nos profissionais de saúde, a sobrecarga de trabalho pode levar aos piores resultados assistenciais e àinsatisfação dos pacientes; e uma combinação entre sobrecarga de trabalho e insatisfação profissional podeestar associada ao desenvolvimento de Síndrome de burnout 4,39,40 .A sobrecarga de trabalho tem sido analisada sob diferentes perspectivas e ela pode gerar um ciclo viciosodeletério à vida pessoal e profissional, pois, uma jornada laboral longa não permite aos médicos terem umequilíbrio entre a vida pessoal e as actividades profissionais. Foi sugerido que profissionais com sobrecargade trabalho têm prejuízos na realização das actividades físicas e de lazer, o que potencializa os efeitosdeletérios do stress e cansaço inerentes às actividades laborais, culminando com o prejuízo da saúde física emental, reduzindo assim a satisfação profissional 7 , com um grande impacto negativo na vida pessoal e familiardos profissionais 41 .Além da intensa jornada laboral dos profissionais, os resultados do presente estudo demonstraram umagrande insatisfação dos médicos com a remuneração. Esse fenómeno faz com que os profissionais busquemoutras actividades laborais suplementares, o que aumenta o risco de adquirirem problemas de saúde,prejudicando a sua qualidade de vida, comprometendo a qualidade de assistência prestada aos utentes dosserviços de saúde 7 . No presente estudo, observamos que 23.2% dos médicos trabalhavam simultaneamenteem instituições públicas e em instituições público-privadas (tabela 4), provavelmente na busca de uma melhorremuneração, o que pode trazer efeitos negativos, tanto na qualidade de serviço prestado como na vidaprofissional dos médicos, a curto e médio prazo, pois, estudos têm mostrado que a sobrecarga de trabalhopode afectar a saúde dos profissionais 3,4,5,9 Sendo um critério para analisar o bem-estar, o salário é um aspecto fundamental da vida das pessoas. Deacordo com a teoria de Hemberg, a remuneração desempenha um papel muito importante na motivação dosprofissionais 34 . A semelhança do nosso achado, os resultados de estudos realizados no Brasil revelaram umbaixo nível de satisfação com a remuneração. Nos funcionários públicos de diferentes Estados, verificou-seque, nos locais com as melhores ofertas de factores motivacionais extrínsecos e intrínsecos, ocorreram osmenores índices de evasão e maiores índices de satisfação, mas o inverso foi observado nos Estados compiores ofertas 34,42 .Em relação à carreira, o nosso estudo revelou que a maioria dos médicos se encontravam satisfeitos coma especialidade. Entretanto, quando questionados se voltariam a escolher o curso de Medicina, quase metaderespondeu de forma negativa. Embora seja uma proporção surpreendentemente elevada, mesmo assim essesresultados são ainda mais baixos quando comparados com os resultados de estudos realizados em outrospaíses, onde os profissionais apresentavam altos níveis de satisfação profissional e apenas manifestaram asua insatisfação com alguns aspectos relacionados com o exercício da profissão 9,31,40 . Os nossos achados,confrontados com os resultados dos estudos acima referidos, indicando que, para os profissionais médicos, asatisfação das condições profissionais assume um papel determinante para continuar a prestar o seu saberem prol da vida, e a recompensa salarial vem reforçar essa sua motivação profissional e, consequentemente,conduzir a um melhor desempenho.Os resultados de um outro estudo realizado por pesquisadores americanos mostraram que a insatisfaçãorelacionada com a autonomia clínica, os desafios na prática da actividade clínica e o stress estavamassociados a altos níveis de Síndrome de burnout 43 . O nosso estudo não se propôs investigar a Síndrome deburnout nesta população médica, porém, o alto nível de insatisfação profissional observado aponta para anecessidade de avaliações específicas deste fenómeno entre os médicos angolanos.Relativamente à associação entre a satisfação global e o grau de diferenciação profissional, no nosso estudonotou- se uma maior proporção de médicos residentes e “médicos não especialistas” insatisfeitos do que osespecialistas (tabela 4), o que era expectável, tendo em conta que geralmente os profissionais maisdiferenciados têm melhores ordenados e oportunidades de colaboração em outras instituições com melhorescondições de trabalho e de remuneração. Por outro lado, considera-se que a formação, após a licenciatura emMedicina, tem a característica de ser uma fase muito estressante, pelas suas características e exigências, umavez que este é um novo período de aprendizagem caracterizado por muitas horas de trabalho e aparticularidade de lidar constantemente com novas situações assistenciais complexas e com a falta deexperiência, o que torna mais difícil a situação profissional dos jovens médicos 44 .
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RACSAÚDE – Revista Angolana de Ciências da Saúde. www.racsaude.com